Há alguns anos eu li “Longe da árvore” , de Andrew Solomon, e um trecho ficou forte em mim. Nele o autor dizia que quem somos interfere diretamente na identidade que os nossos pais criaram para si. Seus pais não são apenas eles mesmos, mas pais de alguém com as suas características, jeitos e vontades. O seu jeito de estar no mundo respinga na imagem que eles possuem de si.
A relação parental é simbiótica, sobretudo em uma sociedade em que enxergamos filhos como legado, continuação, extensão dos pais. É difícil separar quem sou de quem os meus filhos são, facilmente caio na armadilha de pensar quem eles podem ou não podem ser. “Filho meu nunca…”
Na cena da imagem, da série “Uma advogada extraordinária “, um pai diz que, da idade dele, os filhos são como um boletim. “Você é um bom aluno? Fez tudo direitinho? Me mostra!”
Mas a visão de bom/boa aluna muda de acordo com os lugares que frequentamos, as pessoas com quem convivemos, os amores que amamos.
Será que a minha vontade de ser bem vista me dá uma direito de deformar caraterísticas que recuso em meus filhos?
Será que a vontade de reconhecimento dos nossos pais lhes dá o direito de exigirem que sejamos quem não somos?
Há que se normalizar o estranhamento nas relações, em todas elas, sobretudo na parentalidade. Mal nos conhecemos, como podemos acreditar que somos capazes de conhecer o outro em sua complexidade? Assumir o não saber nos convida a ter curiosidade de conhecer, desbravar, descobrir.
Que partes suas seus pais conheceriam se conseguissem aceitar que você não é o boletim deles? Que vocês são diferentes?
Que partes do seus filhos/filhas você se recusa a aceitar porque não combinam com a imagem que criou pra si?
A gente só aprende a lidar com o que aceita que existe. Veja, aceitar não significa se conformar, mas assumir a realidade como é e traçar ações a partir disso (inclusive se conformar, se for o caso).
Com luto.
Com assombro.
Com frustração.
Com toda a complexidade do sentir que se apresenta no caminho.
Ninguém tem a obrigação de sustentar as nossas boas notas, e nós não temos a obrigação de carregar nos ombros a nota 10 de ninguém.
Difícil… mas libertador.